Fernando Morgado analisa os dados econômicos do setor com foco no papel estratégico da TV aberta
O mercado audiovisual brasileiro é grande, complexo e cheio de nuances. Mas, quando colocamos os números sobre a mesa, como fez o estudo da Motion Pictures Association em parceria com a Oxford Economics, uma verdade salta aos olhos: a TV aberta continua sendo o eixo principal dessa engrenagem. Mesmo diante do crescimento do video on demand (VoD) e da multiplicação de plataformas digitais, é a TV aberta que carrega boa parte do PIB do setor, movimentando cifras robustas e sustentando milhares de empregos. Em um país tão grande como o Brasil, isso não é obra do acaso — basta lembrar que uma empresa de TV aberta, a Globo, foi coprodutora do primeiro filme brasileiro vencedor do Oscar, “Ainda Estou Aqui”.
Segundo o levantamento, a TV aberta responde por R$ 22,2 bilhões dos R$ 56 bilhões que compõem o PIB total do audiovisual, o que equivale a 29% do montante. Além disso, ela lidera com folga a geração de empregos: 48,3% de todas as vagas diretas, indiretas e induzidas vêm dessa modalidade. Estamos falando de uma força econômica concreta, que vai além da tela.
Por que a TV aberta move tanto dinheiro?
Há uma explicação pouco discutida: a TV aberta não apenas entrega conteúdo, ela estrutura o ecossistema publicitário brasileiro. Muitas campanhas são desenhadas com base na grade da televisão, e isso influencia desde o planejamento até a distribuição de verbas. Além disso, seu poder de escala reduz o custo por mil pessoas alcançadas, tornando-se uma excelente alternativa para marcas que buscam alto impacto. Em vez de pulverizar esforços, a TV aberta concentra resultados.
Outro ponto-chave está na capacidade que a TV aberta tem de alavancar toda a cadeia do audiovisual. A partir dela, conteúdos são licenciados, adaptados, exportados e redistribuídos em outras plataformas. A TV aberta funciona como vitrine e selo de validação. Um programa bem-sucedido no horário nobre da televisão acaba abrindo portas para VoD, contratos internacionais e experiências transmídia. É um ciclo virtuoso que começa no sinal aberto.
O que torna a TV aberta a maior empregadora do setor?
Boa parte dos empregos da TV aberta está ligada à sua operação de larga escala. São cabeças de rede, afiliadas, equipes de engenharia, jornalismo, produção, vendas. Tudo isso demanda gente de carne e osso, em tempo real. Enquanto plataformas digitais operam com estruturas mais enxutas e centralizadas, a televisão aberta se baseia em um ecossistema com alta capilaridade. Isso é geração de renda em todo o território nacional.
Além disso, a TV aberta tem um compromisso com a produção de conteúdo próprio — seja entretenimento, esportes ou jornalismo. Isso ativa estúdios e contrata apresentadores, diretores, músicos, roteiristas. A cadeia é longa e movimenta setores diversos, da alimentação ao transporte. Em muitas cidades, a TV local é a maior empregadora na área cultural e criativa.
Qual o diferencial da TV aberta na economia do audiovisual?
Ela é o motor que dá tração a todo o sistema. Não se trata apenas de audiência, mas da capacidade de mobilização econômica. A TV aberta gera valor direto e, como o estudo aponta, para cada R$ 10 de valor adicionado diretamente pelo audiovisual, outros R$ 13 são adicionados pela cadeia agregada, o que significa um fator multiplicador de 2,3 vezes no PIB e 5,2 vezes no emprego. Trata-se de um resultado de respeito — especialmente quando consideramos que boa parte desse movimento acontece dentro do Brasil, com profissionais brasileiros, pagando impostos aqui.
Há quem insista em reduzir a TV aberta ao papel de coadjuvante na nova ordem digital. Nada mais equivocado. A televisão aberta é o principal pilar de sustentação do audiovisual brasileiro. E isso porque ela se reinventa, se adapta e mantém uma estrutura produtiva complexa, interdependente e economicamente relevante.
Como fortalecer esse protagonismo no cenário atual?
A resposta passa por políticas públicas mais estratégicas, que reconheçam esse papel e fomentem parcerias entre a televisão aberta e outras plataformas. Não se trata de proteger, mas de potencializar. A TV aberta pode ser o ponto de partida de um projeto nacional de audiovisual que combine escala, identidade cultural e capacidade exportadora.
A exportação de serviços audiovisuais, aliás, chegou a R$ 2,02 bilhões em 2016. Um número expressivo, mas ainda aquém do potencial existente. Parte desse gargalo está na falta de uma estratégia articulada de internacionalização. E aqui, novamente, a TV aberta pode funcionar como catalisador, tanto em termos de produção — especialmente de formatos e telenovelas prontas — quanto na oferta de visibilidade e credibilidade para os conteúdos brasileiros.
Concluindo: não se pode discutir o futuro do audiovisual sem colocar a TV aberta no centro da mesa. Ela é o lastro que segura a indústria, garante empregos e movimenta bilhões. É preciso entender a TV aberta como um ativo fundamental do presente — e do futuro. Afinal, enquanto muitos ainda discutem modelos, ela continua entregando resultados.
Fernando Morgado é consultor e palestrante com mais de 15 anos de experiência nas áreas de mídia e inteligência de negócios. Atendeu clientes como Band, Grupo Globo e SBT. É Top Voice no LinkedIn e tem livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. https://instagram.com/morgadofernando_
Foto de capa: Meta IA