Fernando Morgado analisa as oportunidades da nova geração de TV aberta para afiliadas e anunciantes locais
Enquanto o mercado publicitário busca soluções cada vez mais precisas e mensuráveis, a TV 3.0 surge como um divisor de águas, especialmente para as afiliadas das grandes redes. A nova geração de televisão aberta traz consigo uma arquitetura que permite segmentação, interatividade e integração com as plataformas digitais — atributos até então limitados para a mídia regional. O impacto disso, especialmente para anunciantes locais, pode ser significativo.
No último 29 de abril, foi inaugurada no Rio de Janeiro a primeira estação privada de TV 3.0 do Brasil, pela TV Globo. Um marco que, inclusive, remete ao pioneirismo histórico da Cidade Maravilhosa, onde também ocorreram as primeiras transmissões experimentais da TV Tupi, contrariando a ideia equivocada de que tudo teria começado em São Paulo.
Esse movimento representa uma virada importante: a televisão aberta passa a operar com princípios semelhantes aos das plataformas digitais, mas com o valor agregado de sua capilaridade territorial e legitimidade institucional. A TV 3.0 aproxima a operação local de práticas avançadas de mídia, como a compra programática, a análise de dados em tempo real e a veiculação dinâmica de campanhas — sem renunciar à estrutura e audiência que já possui.
Como a TV 3.0 renova a importância das afiliadas?
O primeiro ponto que precisa ser compreendido é que, com a TV 3.0, as afiliadas ganham um novo portfólio de produtos comerciais. Com os canais praticamente assumindo o formato de aplicativos, cada afiliada poderá estruturar hubs de conteúdo próprios, com vitrines promocionais, inserções interativas e até ações de branded content hiperlocais. Isso muda o jogo para pequenos e médios anunciantes, que passam a contar com novas formas de exibição.
Além disso, o recurso de segmentação abre um caminho promissor: a possibilidade de veicular anúncios distintos para diferentes bairros, cidades ou grupos demográficos dentro de uma mesma área de cobertura. Isso torna as campanhas ainda mais eficientes, ampliando a chance de conversão. Emissoras regionais poderão competir por verbas que antes eram direcionadas exclusivamente à internet, com um diferencial: a credibilidade e a influência local que a TV detém.
A TV 3.0 não é apenas uma atualização técnica. Ela tem potencial para representar uma mudança profunda na estrutura e na definição do meio. Se a TV 1.0 foi a analógica em preto e branco, a 1.5 introduziu as cores, a 2.0 trouxe o digital e a 2.5 refinou essa base, a TV 3.0 pode ser a virada de chave. A televisão deixaria de ser uma mídia ponto-massa, principal fundamento da ideia de broadcast, para se tornar ponto-ponto.
Que tipo de inovação é possível com o novo modelo?
Outro avanço importante está na coleta de dados. Com a TV conectada à internet, será possível saber com mais precisão o que foi visto, por quem, em que momento e com qual impacto. Isso aproxima a televisão do padrão de mensuração das redes sociais e plataformas de vídeo sob demanda. E mais do que isso: permite que as afiliadas ajustem rapidamente suas ofertas comerciais com base em evidências concretas de desempenho.
As campanhas também se tornarão interativas. Com o controle remoto, o telespectador poderá salvar uma oferta, pedir outras informações ou até concluir uma compra ali mesmo. A publicidade, nesse cenário, deixa de ser apenas uma peça de comunicação e passa a ter função direta de conversão — algo que anunciantes locais sempre procuraram, mas raramente conseguiram.
O que muda no relacionamento com o anunciante local?
Essa nova realidade exige um novo perfil comercial nas emissoras. Mais do que vender espaço, será necessário desenvolver soluções. Profissionais de vendas precisarão atuar como verdadeiros consultores, ajudando clientes a montar campanhas com base em dados, objetivos e comportamentos reais. A oferta se torna mais complexa, mas também mais eficaz — e, portanto, mais valorizada.
Para o anunciante local, isso significa acesso a uma mídia que muitos ainda consideram “grande demais” para seu porte. Com formatos mais flexíveis, inserções personalizadas e métricas acessíveis, a TV 3.0 reforça a possibilidade de o anunciante local usar a televisão para construir marca e, acima de tudo, vender. O retorno se torna mais facilmente rastreável — o que muda a forma como a mídia é percebida.
Quais os próximos passos para aproveitar esse cenário?
A implementação da TV 3.0 será gradual, começando pelas capitais, mas isso não significa que as afiliadas devam esperar. O momento é de preparação: rever estruturas, treinar equipes, atualizar tecnologias e, principalmente, iniciar o diálogo com o mercado anunciante sobre o que está por vir. A vantagem competitiva estará com quem conseguir se antecipar e mostrar ao cliente que há um plano claro para aproveitar esse novo ambiente.
Mais do que uma mudança tecnológica, a TV 3.0 representa uma mudança de mentalidade. Para as afiliadas, é a chance de reforçarem sua posição de protagonismo no mercado. E para os anunciantes locais, é a oportunidade de ocupar um espaço nobre com ferramentas inovadoras. Tudo isso mantendo o que a televisão aberta tem de melhor: credibilidade, proximidade e conexão com a vida real das pessoas.
Fernando Morgado é consultor e palestrante com mais de 15 anos de experiência nas áreas de mídia e inteligência de negócios. Atendeu clientes como Band, Grupo Globo e SBT. É Top Voice no LinkedIn e tem livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. https://instagram.com/morgadofernando_